Fado Para A Lua De Lisboa-David Mourão Ferreira
Ó Lua, espelho do chão
que andas no céu pendurado
holofote da ilusão
pelo turismo alugado
não ilumines em vão
os sulcos do empedrado!
Denuncia nas valetas
as sombras que tu arrastas
prostitutas, proxenetas
silhuetas de pederastas
Colos brancos. Rendas pretas
Casas tortas. Pedras gastas
As rugas do sobressalto
Ó Lua não as destruas!
Tu viste carros de assalto
rondarem por estas ruas
viste rolarem no asfalto
vestes mais alvas que as tuas
Foste a lua a que se expunha
aos tiros a multidão
espelhaste na tua unha
a secular aflição
e já foste testemuha
dos fogos da Inquisição
Procissões do Santo Ofício
Fileiras de condenados
À noite, nem só o vício
rasteja por estes lados
as serpentes do suplício
silvam nos pátios murados
Ó Lua, guarda o retrato
de tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
passatempo de turistas!
Clorofórmio dos enfermos
se foges dos hospitais
então recolhe-te aos ermos
desertos celestiais!
E quando te não merecermos
não te acendas nunca mais!
Gaivota - Amália Rodrigues
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa
esmorece e cai no mar
Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração
Se um português marinheiro
dos sete mares andarilho
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
morreria no meu peito
meu amor na tua mão
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração
Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração
Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração
Perfeito o meu coração
Perfeito o meu coração
Balada Do Mangue-Vinicius De Morais
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois L? lia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!
Saudades Do Brasil Em Portugal-Vinicius
O sal das minhas lágrimas de amor
Criou o mar que existe entre nós dois
Para nos unir e separar
Pudesse eu te dizer
A dor que dói dentro de mim
Que mói meu coração nesta paixão
Que não tem fim
Ausência tão cruel
Saudade tão fatal
Saudades do Brasil em Portugal
Meu bem, sempre que ouvires um lamento
Crescer desolador na voz do vento
Sou eu em solidão pensando em ti
Chorando todo o tempo que perdi