Dois no cumprimento dois na largura, 5mm qualquer pedra
bate e fura, é sim, é brasilite as parede é maderite, o
barraco é humilde mais dignidade existe, vem, pó
chegar, senta aí fica a vontade, pro café não tem
xícara, é copo de mastombate, se quiser tem cigarro tá
o isqueiro pó acender, só não repara a marca é melhor
ter que não ter, não tenho nada a oferecer mais
agradeço a visita, nunca imaginei que ia receber um
jornalista, (jornalista ainda não sou, ano que vem, eu
quero ser, e você vai me ajudar a concluir meu tcc,
objeto de estudo são as mães de detentos, sua vida
aqui fora sua a visão do que é lá dentro), oh, pêra aí
moço, vê direito qual que é, tô com um filho em
Bernades e um marido em Avaré, barraco é pequeno vive
eu no sofrimento, pois além de ser mãe eu sou esposa
de detento, (problema não vai dá, mais vai mexer com a
sua dor, se a senhora autorizar eu tô ligando o
gravador).
(Refrão)
E nessa estrada (eu vou);
Sonhos, ilusões;
O amor já não me vê;
Me perco entre canções.
E nessa estrada (eu vou);
Sonhos, ilusões;
Quando o amor voltou,
Me encontra nas canções.
Sem crise, sem terror, pó ligar seu gravador,
companheiro ao sofrimento, mais o alimenta a dor, quer
saber minha rotina, prepara sua retina, abra os ouvidos
que eu vou abrir a cortina, é, meia-noite a carruagem
vira abóbora, adormece Cinderela e o sonho vira
pólvora, favela não tem fada, aqui à vida é foda,
48horas e uma cadeira de rodas, é fuga, fita, marido
paraplégico, a saída faxina, comida, remédio,
sustentava o barraco, ele morria de tédio, 7anos atrás
era wisque e energético, a vida tempestade às vezes
bonança, o fruto do amor é só ponta de esperança,
escola, turquinha, pipa, bola, vê o filho crescer é
viver pra ele agora, de repente um truta dele, um tal,
de Zé Vicente, resgatado num camboio na região de
prudente, descobriu nosso endereço, (tem gente aí
fora), foi idéia a noite inteira, wisque, pó até umas
horas.
(Refrão)
Naquela visita 1kg de cocaína, uma semana depois, toda
noite tinha fila, de carro, de moto e eu quase louca,
não pude evitar minha casa virou boca, alguns anos
depois eu no varal pregando roupa, (Polícia!), normal,
é mensal acerto da boca, dessa vez sem acerto um tal
Cabo Jose, todo mundo no chão é fragrante artigo 12, a
herança do pai, o destino do filho, 15anos de idade a
boca é do menino, cresceu, prosperou, ficou famoso, se
sabe, aniversário de 20 comemorou em Bernades, horas de
buzão, cê vê meu sacrifício, madrugada gelada, eu na
calçada feito lixo, me lembro do primeiro bolinho do
meu filho, barraco lotado, parabéns, primeiro aninho,
a foto tá no armário na mente, no coração, engatinhou,
depois andou, eu segurando pela mão, lembranças trazem
lágrimas gotas de paixão, o bolo na bancada esfaqueia
meu coração.
(Refrão)
É lá é muito diferente quem esfaqueia o bolo, lá é
raios-X, detequitor de metal, privilégio pra rico,
humilhar o pobre é coisa normal, é isso meu filho,
isso reflete a tal luta de classe, agora vai divulga
tudo lá na sua linda faculdade.
(Refrão)