Lavei as mãos nas águas claras da grotinha
Bem pertinho da casinha no lugar onde eu nasci
Vi no espelho d'água meu rosto contente
Por saber que a minha gente tava esperando por mim
E na porteira que ao ir embora eu fechei
Por uns minutos parei pra brincar com a tramela
Ouvi os gritos de mamãe que me chamava
Vem pra dentro eu nem ligava só tentava esconder dela
Ainda existe o pé de pique no terreiro
Onde o veado mateiro vinha pra comer a flor
Nós não deixamos papai matar o bichinho
Porque nele aos pouquinhos a gente foi apanhando amor
No lado esquerdo dentro do velho curral
Ainda um cocho de sal onde vi papai tratar
A cafubura a pangosa e a barrosinha
A mimosa e a morena o boi rochedo e o Canadá
Fiquei parado no terreiro relembrando
Minha infância foi voltando e outra vez eu fui menino
Fechei os olhos e corri todo quintal no meu cavalo de pau
Que eu chamava de trequinho
Ouvi os cantos dos passarinhos de casa
Que papai podou as asas pra que não fossem embora
E se tivesse também podado as minhas
Com certeza eu não tinha me jogado mundo a fora
Eu fui entrando e direto pra cozinha parei atrás da velhinha
Que estava aos pés do fogão
E o meu passado feito filme foi passando
Minhas lágrimas rolando e eu travado ali no chão
Abracei o meu tesouro minha velha
Mas um rastar de chinela fez saltar meu coração
Olhei pra traz e ali estava meu velhinho
Enrugado curvadinho preto da cor de carvão
Sentei com eles na varanda da cozinha papai trouxe violinha
E pediu pra eu cantar e aquela voz tremida quase que falhando
Ainda foi me acompanhando pai e filho a duetar
E os meus irmãos aos poucos foram se juntando
A cantoria aumentando mas o final eu não sei
Quando o caminhão parou no canavial tudo voltou ao normal
Alguém gritou eu acordei
Foi tão real que parecia de verdade sonhei com a felicidade
Que já foi minha um dia
Felicidade que tá presa na distância
Mas que não sai da lembrança deste simples boia fria