As pessoas não tinham ar nem cheiro
Ficavam impassíveis o tempo inteiro
Eram marcas pessoas, pessoas rotuladas
S a, s c, limitada... pessoas registradas
Registradas no registro do nada
Reguladas na marginal, marginalizadas
São pessoas sem-eira-nem-beira
Confundindo-se com o chão e a poeira
São pessoas sem rosto nem face
Não importando com o que se lhe passe
São gente sem dia, tarde ou noite
Que conhecem a carícia do açoite
Criadas na moral do aceite
Cansadas do peso do fardo
Queimadas na tina do mundo
Regadas a azeite importado
São camelôs, bilheteiros, pedintes
Cantadores, tocadores, escroques
Uma imensa tropa de choque
Do exército dos deserdados
Parturientes, paridas, abortadas
O carente, o trombada e a cansada
Para quem a vida, não delegou nada
Para quem o mundo não disse a verdade
Fizeram um reino no centro da cidade
Pintaram a fantasia do escroto
Sem grande vaidade
Sem tempo, sexo ou ideologia
Sem Deus, pátria ou família
Uma gente que não reclama ou blasfema
Sem domingo, relógio ou feriado
Parecendo um grande seriado
Um oásis desse grande deserto
Morrendo, sorrindo e cantando
Nos caminhos da cidade de concreto