Muitas já se foram, se perderam
Outras se mataram em meio ao desespero
Então as que ficaram fizeram mais um apelo
Para que não esquecessem das que desapareceram
Famílias se separam
Se dividem ao meio
Resquícios de um passado
Cruel sim, mas verdadeiro
Histórias que se passam
Do morro ao navio negreiro
Meu peito aberto sangra
Com dois buracos no meio
Meu corpo é arrastado pelo asfalto
Espancado, jogado sem roupa no mato
Abusada, esfaqueada
Dentro da minha própria casa
Lágrimas escorrem
Queimando como brasa
Ninguém quis ouvir
O meu choro, meu lamento
Desacreditaram
Ignoraram meu sofrimento
Já não bastasse por tudo que eu passava
Ainda vinham me dizer que eu era a culpada
Mas não vou me calar
Sei, vou prosseguir
De cabeça erguida
Vou lembrar do que eu sofri
Não podem me parar
E nem me oprimir
Represento a voz de muitas
Que ninguém nunca quis ouvir
Quantas por aí
Que vivem sufocadas
Tantas histórias
Que nunca foram contadas
Isso é frequente
Aconteceu com dandara
Nunca me esquecerei
Katiane, luana, cláudia
Todas as injustiças
Por minhas irmãs sofridas
Que causaram mágoas, traumas
Levaram a alma
Tiraram a vida
Nunca serão perdoadas
Jamais serão esquecidas
(jamais serão esquecidas)
Não é vitimismo
É a realidade
Acontece todos os dias
Em todos os cantos da cidade
Nas noites e madrugadas
Pr'aquelas que andam desacompanhadas
Matando três leões por dia
Em cada esquina de cada quebrada
As mães, solteiras
Pretas, putas
Macumbeiras, sapatas
Cabreiras, derrubam fronteiras
Destroem barreiras
(destroem barreiras)
Por elas que eu não posso me calar
Sei, vou prosseguir
De cabeça erguida
Vou lembrar do que eu sofri
Não podem me parar
E nem me oprimir
Represento a voz de muitas
Que ninguém nunca quis ouvir
A luta é diária
No fio da navalha
De frente pra morte
Não existe sorte
E o tempo nunca para
Uma mana carbonizada
Uma alma que foi levada
Tantas que mesmo depois de mortas
Ainda julgadas, injustiçadas
A tristeza estampada no rosto
Feridas abertas no corpo
Não saiu no jornal
Porque já é banal
Ninguém viu
Lá na tela da globo
E as estatísticas
Falidas, pouco vistas
Mostram uma verdade
Dura, conhecida, sinistra
E se contar lá fora
Ninguém acredita
Que uma em cada três pessoas
Acha que a culpa é da vítima
E pra esse sistema eu faço o grito das esquecidas
Com passagem só de ida
Tentando achar uma saída
Esperando pra ser ouvida
Não vou me calar
Sei, vou prosseguir
De cabeça erguida
Vou lembrar do que eu sofri
Não podem me parar
E nem me oprimir
Represento a voz de muitas
Que ninguém nunca quis ouvir