DE CUECA
(Hugo Veloso)
Um homem de cueca na janela
Passeando
Assiste do apartamento todos os vizinhos
Que vão chegando
Enjoa, zanza na sala, liga a tevê
Vai mexendo os canais
E o canto do prédio ao lado
Chega aos ouvidos do rapaz.
Estranho, ainda hoje, ainda se ouve
A nau da canção
Navega pelo cimento, pelo concreto
Toca a razão
O homem de cueca vai pra janela
Pra escutar melhor
A música maravilhosa
Conta os desejos, hoje pó.
É a correria da vida, muitos socados e sós
Pelos buracos da vida, os conjugados e o nó
Dessa cidade dá dó
Mas uma voz por aí se espalha e talvez
Traga o sorriso ao mulato que o dia desfez
Quando essas notas ecoam no peito
Produzem efeitos devassos
Devassos, devassos.
Um homem de cueca na janela
Assobiando
E quando despe a peça, todos os vizinhos
Estão olhando
E o vento meio abafado, entra no quarto
Levando a canção
De alguém que ninguém ouve
Força escondida, ebulição.