Olha lá o meu pai, com as mãos calejadas
Perdendo seu resto de vida no cabo da enxada
Eu não queria que fosse assim
Pra mim seria tudo diferente
Queria ter meu pai na cidade
Morando alegre, junto da gente
De que vale ter diploma
Ter conforto, ter de tudo
Se não posso ter em casa
Ele que me pôs no mundo?
Estudei por tantos anos
Para tirá-lo daqui
Meu esforço foi em vão
Porque ele não quer ir
Quando é de manhãzinha e o dia vem chegando
Ele escuta seu despertador, no poleiro cantando
Ele chama o seu melhor amigo
Que vai latindo e correndo na frente
E vai pro trabalho pesado
Ali debaixo desse sol ardente
Neste carro eu me vejo
Bem vestido e perfumado
Sofro tanto vendo ele
De suor, todo molhado
Olha a condução do velho
Numa corda amarrada
Olha a geladeira dele
Lá na sombra encostada
Quando é de tardezinha, vai pra sua casinha
Comer seu feijão com arroz, feito no fogão a lenha
E, na sua poltrona de angico
Ele vai sentar comovido
E na tela maior do mundo
Ele contempla seu filme preferido
Na televisão do velho
Não tem filmes de bandidos
Não tem filmes policiais
E nem filmes proibidos
No canal do infinito
Sua Tv é ligada
Só aparecem as estrelas
E a lua prateada
Olha lá o meu pai