Ruídos da noite, ruídos na noite
ruídos no telhado
os passos das baratas distraídas pelo pátio
ratos adultos rangendo os dentes
porque ainda não
sabem se vão ter hoje o que comer
a mãe de um nenê que chora
anda e canta zonza com ele no colo
tudo tinha ruído
o ruído rosa de uma rosa inconformada
que se sabe já ficando velha
e aos poucos morta
o ruído de roda
da Terra girando eternamente no mesmo lugar
a primeira lasca do iceberg
que o Alasca um dia rachará
o coração da moça que partiu
sozinha no último metrô
o marcapasso manco
de um asmático assustado
com seu próprio chiado
tudo tinha ruído
um windows ligando lá longe
passar a noite em claro roendo unha
com a luz apagada
chorar baixinho no escuro
com o despertador armado em seis e meia
migalhas de creamcracker
no cinzeiro do plantão do um nove zero
o radinho de pilha
do porteiro que ressona sozinho no térreo
sereno, tiros aqui e ali
motor de geladeira
a kombi do entregador
uma moto, um galo, um sabiá
tudo tinha ruído
acho que só eu não tinha sentido