E Deus acordou com vontade de cantar
pediu emprestado a São Jorge um violão
depois pegou um pandeiro e um ganzá
que deu de bom grado a São Cosme e Damião
um coro de arcanjos então se aprochegou
sob a batuta de Mestre Gabriel
um cantochão eloquente ecoou
e um Carnaval se fez no céu
Lá embaixo
mais um pivete acorda cedo
dormiu enrolado com raiva numa folha de jornal
magrela, subnutrido , é sempre o mesmo enredo
Sai de baixo, vem lambendo uma fome que dá medo
a barriga ronca-ronca igual cuíca
coração disparado é um tantã
recruta outros pivetes na sarjeta
nasce um bloco de sujo na manhã
Ô abre alas pra ver o arrastão chegar
é mais um bloco de sujo que vai passar
No cruzamento do inferno com o céu
dá-se o encontro das duas facções
é um repinique de harpas e taróis
no contratempo das mais reprimidas emoções
São Jorge então se abraça ao Boa Morte
Praga-de-Mãe pede bênção a Gabriel
São Cosme e Damião vão com Pixote
vão fazendo nas nuvens um escarcéu
Lá embaixo
é que a miséria acorda cedo
Pivete vira manchete numa folha de jornal
nem sempre a notícia revela o verdadeiro enredo
o retrato não faz jus ao tamanho do seu medo
que a barriga roncando era cuíca
coração disparado era um tantã
sua boca estatela na sarjeta
deixa um beijo de sangue na manhã
Ô abre alas
pra ver o arrastão chegar
é mais um bloco de sujo que vai passar
E Deus foi dormir com vontade de chorar...