("No meu tempo de carreiro
Viajando por este sertão
Eu tinha um boi dianteiro
Um animal de estimação
Numa tarde já cansado
Parei no Vale da Ribeira
E adormeci sossegado
Na sombra de uma paineira
Tive um sonho diferente
E nele ouvi meu boi falando
Cheio de pose e valente
Com detalhes envolventes
Seu testemunho foi dando")
Naquela noite sagrada
Na manjedoura sem luz
Foi no frio da madrugada
Que um boi aqueceu Jesus
Nos cultos da antiguidade
Foi um bezerro dourado
Que serviu de divindade
No grande templo sagrado
Depois do descobrimento
Do nosso Brasil gigante
Transportava os mantimentos
Na saga dos bandeirantes
Meu couro abrigava os pobres
Nas margens do velho Chico
Fui peça de roupa nobre
Sobre o corpo dos mais ricos
O boi morria atrelado
Fazendo dupla dianteira
De tanto ser explorado
Nas fazendas cafeeiras
O boi velho é descartado
Já não gera mais riqueza
Então é sacrificado
Pra servir na sua mesa
Quantos janeiros passaram
Na poeira do estradão
Quantas carretas puxaram
Nas conquistas do sertão
Cada boi tem seu destino
E exerce uma função
Eu sou um boi peregrino
Vivo preso no cambão
Carrego a carga pesada
Pra servir o meu patrão
Só recebo as ferroadas
Veja só que ingratidão
Mas tenho um dia de glória
Orgulho da minha raça
Quando o peão busca a vitória
Montado em nossa carcaça
Nesse dia o boi de sela
Vira artista brasileiro
Tem gente que amarela
No mundo do picadeiro
Nessa hora o boi tem alma
Desfila como um campeão
Mesmo sabendo que as palmas
Só glorifica o peão