Trinta e nove anos de batalha sem descanso na vida
Dezenove anos, trapos juntos, com a mesma rapariga
Nove bocas de criança para encher de comida
Mais de mil pingentes na família para dar guarida
Muita noite sem dormir
perdida na fila do Inps
Muita xepa sobre a mesa
coisa que já não estarrece
Todo dia um palhaço vem dizer
que Deus dos pobres nunca esquece
E um bilhete mal escrito
lhe causou um certo interesse
É que meu nome é
João do Amor Divino de Santana e Jesus
Já carreguei, não guento mais
o peso dessa minha cruz
Sentado lá no alto do edifício
ele lembrou do seu menor
Chorou e mesmo assim achou que
o suicídio ainda era o melhor
E o povo lá embaixo olhando o seu relógio
exigia e cobrava a sua decisão
Saltou sem se benzer
por entre aplausos de emoção
Desceu os sete andares
num silêncio de quem já morreu
Bateu no calçadão e de repente
ele se mexeu
Sorriu e o aplauso em volta muito mais cresceu
João se levantou e recolheu a grana que a plateia deu
Agora ri da multidão executiva quando grita
"Pula e morre, seu otário"
Pois como tantos outros brasileiros
É profissional de suicídio
E defende muito bem o seu salário
Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não tá preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que tá recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que tá desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com teu Carnaval
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com teu Carnaval
Moro num país desigual
Que ainda espera por Deus
E destrói sua natureza - isso é certeza