Tem coisa que a gente
Não tira do peito
Fico até sem jeito
Só de lembrar
Um dia eu sozinho
Num banco de praça
Eu vi uma desgraça
Não pude evitar
Vi que uma criança
Estava soluçando
Em prantos chorando
Sozinha e assustada
Com fome e com frio
Chamou-me dizendo
Eu estou morrendo
Estou acabada
Seu Zé fique aqui
Ouça meu enredo
Pois estou com medo
Sei que vou morrer
Meus pais já morreram
Fui abandonada
Na vida jogada
Sozinha a sofrer
Um dia eu estava
Chorando com fome
Então veio um homem
E quis me ajudar
Puxou um pacote
De uma sacola
Era um tubo de cola
E mandou eu cheirar
A fome passou
E eu fiquei tonta
Ele disse está pronta
Já pode roubar
Mostrou uma senhora
Que dava bobeira
E sua carteira
Eu pude tomar
Foi só o começo
De uma vida agitada
Eu fui bem treinada
Nesta vida de cão
Conheci o crack
E depois a maconha
E não vi vergonha
Na prostituição
Não tive cuidado
Era inexperiente
Quando fiquei doente
Não fui me cuidar
Uma tal de aids
Peguei sem querer
Sei que vou morrer
Sei que vou me acabar
Não tive carinho
E nem um brinquedo
Só conheci medo
E nem uma esperança
Nem natal nem papai Noel
Quem sabe no céu
Acolham criança
E falando assim
Seus olhos fecharam
Suas mãos gelaram
E ela morreu
Ficou estendida
No banco da praça
Foi mais uma desgraça
Que o mundo viveu
Passou muitos anos
Nada é diferente
Crianças doentes
Descalças e nuas
Com fome e com frio
Drogada carente
Tem muito inocente
Vagando nas ruas