Daqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro
Devagarinho eu vou chegando Ceilândia Centro
Estou muito tenso, vou limpar
Meu rosto com um lenço
O sinal fechado, embolado
O povo atravessando para o outro lado
Dentro de um chevette de cor azul
Estou vindo daquela direção ali
Ceilândia Sul de camiseta, calça jeans
Estou indo à feira encontrar com meu filho
Comprar um par de patins
Aqui fora moleque tudo mudou
Vou ser sincero cumpadi mal sei aonde estou
A banca de revista aqui, aquelas construções ali
Tem poucas horas que saí da casa de detenção
Vou tirar o boné, aliviar a tensão
Quinze anos de reclusão, considerado no papudão
Aqui, Assis, aqui está fazendo calor à bessa
Alguns garotos ainda estão
Pedalando sobre suas bicicletas
Vou acender um cigarro, não, não
Vou deixar isto de lado
Meus olhos vermelhos estão saindo faíscas
Na esquina me deparo com a polícia
Louvado seja o meu senhor
Meu sistema nervoso não alivia minha dor
Sou morador de mais um novo assentamento
No bolso não carrego, meus documentos
Sou brasileiro, solteiro, não devo para à justiça
Desde o mês de fevereiro
Daqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro
A marola está subindo por cima do muro
Por cima do muro
Daqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro
Amanheceu o dia, a multidão se aglomera
Ali na via, nariz quebrado
Seu corpo todo ensaguentado
Um embrulho caído do lado
A vítima sobre um cano estourado
Esquartejado, vários curiosos
Observando meu camarada
Sendo enrolado em um pano
A sua mãe chorando
Aquele moleque estava com a sua mente perturbada
Devido o uso de muitas drogas pesadas
Distúrbio semelhante à loucura
Cocaína pura
Cursou até o terceiro ano primário
Onde muitos tentaram se formar aqui no bairro
Semi analfabeto, morava de favor
Na casa do meu chegado Beto
Mas tudo bem,
Essa história não tem nada haver comigo
Nesta selva de pedras ninguém aqui tem amigos
Um trailer velho dentro estou
Quase dormindo, lá fora ouço gritos de meninos
Vou caminhar um pouco
Meu padrasto está roncando feito um porco louco
Na pia vou lavar o rosto
Tenho um kit escolar no troco
Não me julgue como um pobre coitado
Só me espelhei no cara errado armamento pesado
Doze pt oitão, pra mim já foi o tempo meu irmão
Aqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro, escuro
A marola está subindo por cima do muro
Por cima do muro
Daqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro
De família pobre carente
Desta vida sofrida sou
Mais um sobrevivente
Não sou professor de história
Pouco que eu sei está guardado na memória
Aqui na periferia dois porcento da molecada
Não passa dos vinte um
Eu não quero que meu filho seja mais um
Aqui na C.I não tem incetivo algum
Qualquer vacilo é foda
Vacilou, caiu em um ninho de cobras
E pode crer, a realidade sempre foi assim
E aqui quem fala é o Markin
Com vinte nove e vinte dentes na boca
Pode crer já, já eu levo uma vida louca
Marcado pelo passado
O sistema sempre me jogou de lado
Estou ficando cada vez mais alucinado
Falando rápido, gesticulando com os braços
Atormentado, meio tonto meio fraco
Meu currículo na décima nona é cheio de vírgulas
E questões, eu tenho pena da minha mãe
Quando o sol se põe
Já não tenho mais equilíbrio emocional
Nas mãos a bíblia, a paz espiritual
Estressado, o corpo cansado
Meio tonto, meio fraco
Me chamo Antônio Marcos
Deficiente físico
Lesão T7, paraplégico
Armamento pesado, doze pt oitão
Pra mim já foi o tempo meu irmão
O verdadeiro poder não está nas balas
Está no livro preto chamado:
Bíblia Sagrada!
Daqui de cima eu observo tudo
Atrás de uma janela dois camaradas
Naquele beco escuro
A marola está subindo...
Eu observo tudo, eu observo tudo
A marola está subindo por cima do muro
Daqui de cima
Daquele beco escuro, os camaradas
Por cima do muro
A marola está subindo por cima do muro