Para dar luz à milonga
É preciso decompor-se
Polir o espelho da alma
Ferir-se no fio da foice
Quebrar o vidro dos sonhos
Ouvir o canto das mágoas
Vazar cacimba nos olhos
E se afogar nestas águas
Pois compor uma milonga
É recompor o silêncio
Despir-se além das rimas
Para se pôr ao avesso
Chegar ao final de si
E retornar ao começo
Como se os dedos das mãos
Fossem mistérios de um terço
No parto de uma milonga
Há mais do que nascimento
A alma se evade em sons
E o verso torna-se vento
Pra traduzir a milonga
É preciso que se entenda
A poesia do fogo
Nas línguas das labaredas
Conhecer os elementos
Os desvarios das coivaras
Pro verso brotar da dor
No braço de uma guitarra
Pra viver uma milonga
Há que depor-se a razão
E dar vazão às palavras
Que gritam no coração
Sangrar no fio do horizonte
A noite que dóI nos calos
Rompendo a barra do dia
Com bem-te-vis e cavalos
No parto de uma milonga
Há mais do que nascimento
A alma se evade em sons
E o verso torna-se vento
Composição: Vaine Darde / Beto Caetano