Ninguém pode ser considerado vivo
Comendo sobras de lixeiras
Erguendo mãos para pedir esmolas
Fumando crack
Perdendo a saúde puxando carroças de papelão
Não existe vida em Dps, Cdps
viaturas, reformatórios
presídios e tribunais
Não existe vida nos subempregos
com salários de fome
Nas casas devastadas pelo lícito alcoolismo
Nas mulheres reféns do machismo
e da violência doméstica
Não existe vida nas esquinas e puteiros
Que estupram as crianças invisíveis do Brasil
Não existe vida nos bolsões de miséria
Que fazem armas serem atrativas
para meninos e meninas
Que antes dos 25 estarão em caixões lacrados
Quem vive de lucro já tá enterrado
com o ente que se foi
Quem viu o filho desaparecer
depois do enquadro da polícia
Perdeu qualquer razão para viver
Quem é um número de matrícula prisional
Não passa de uma alma que vaga pelo cárcere
de presídio em presídio
Morremos quando rimos do menor
Que aparece na internet
sendo torturado em supermercados
Quando aceitamos as versões oficiais
Que alegam que o excluído executado pela Pm
atirou primeiro
Quando aceitamos os laudos manipulados
que apontam
Que as balas que mataram a criança negra
Saíram do armamento do tráfico
Morremos quando votamos nos que afirmam
Que a pacificação do país
passa pela aniquilação dos menos favorecidos
Se não fôssemos corpos vazios
Equilibrados por sistemas esqueléticos
Não teríamos opiniões formadas
pelos que monopolizam os meios de comunicação
Se não fôssemos apenas sistemas respiratórios
aspirando pólvora
Tiraríamos do poder
Os tiranos que aprovam decretos
Que acabam em helicópteros
brincando de tiro ao alvo
em comunidades carentes
Aí, opressor
Eu sei que você comprou com a sua riqueza suja
o direito da existência
Eu sei que você conhece a estrita legalidade
Conhece o respeito à integridade física
psíquica e moral
Tem o privilégio
de pensar de forma independente
Sem coação televisiva e educacional
Eu sei que você sabe que o Código Penal
e o martelo do juiz jamais de alcançarão
E é por essa e outras, arrombado
Que quanto mais retalham o nosso direito
a uma vida digna
Mais põe seu coração
podre na mira de uma 'Sig Sauer'
Vamos segurar faixas de luto
Pelas escolas militarizadas
Pela liberação das armas
Vamos prestar condolências
Para a sociedade que aplaude
A política do confronto
Em conjunto com a política do nepotismo
Do 'fake news'
Do Judiciário partidário
Do roubo de presidências
Irmão de guerra
Sinto muito em te informar
Que quem não tem o padrão de vida
estabelecido na Constituição Federal
Já tá em estado avançado de putrefação
Quem tem a probabilidade de uma morte violenta
Por sua condição financeira e cor de pele
Já sobrevive dentro de um túmulo
A coroa de flor
É só um detalhe para nós
Que caminhamos sem vida
Na escuridão da indigência
Viver é ter a opção de crescer
profissionalmente e intelectualmente
De não ser metralhado pela polícia
De não ser torturado num sistema prisional
Puramente vingativo
Enquanto não pudermos impedir o genocídio
O racismo
A alienação
O aprisionamento em massa
A pobreza extrema e a anulação social
Não passaremos de cadáveres que respiram
Meus pêsames para todos nós que vegetamos
No Necrotério Dos Vivos