Dona do dom que deus me deu
Sei que é ele a mim que me possui
E as pedras do que sou dilui
E eleva em nuvens de poeira
Mesmo que às vezes eu não queira
Me faz sempre ser o que sou e fui
E eu quero, quero, quero, quero ser sim
Esse serafim de procissão do interior
Com as asas de isopor
E as sandálias gastas como gestos do pastor
Presa do dom que deus me pôs
Sei que é ele a mim que me liberta
E sopra a vida quando as horas mortas
Homens e mulheres vêm sofrer de alegria
Gim, fumaça, dor, microfonia
E ainda me faz ser o que sem ele não seria
E eu quero, quero, é claro que sim
Iluminar o escuro com meu bustiê carmim
Mesmo quando choro
E adivinho que é esse o meu fim
Plena do dom que deus me deu
Sei que é ele a mim que me ausenta
E quando nada do que eu sou canta
E o silêncio cava grotas tão profundas
Pois mesmo aí na pedra ainda
Ele me faz ser o que em mim nunca se finda
E eu quero, quero, quero ser sim
Essa ave frágil que avoa no sertão
O oco do bambu
Apito do acaso
A flauta da imensidão