Era inacreditável o que estava acontecendo. Parecia uma irritação leve na faringe, mas de tão pequena se tornou um mar de acontecimentos na minha alma. Eu era mais uma na pandemia que assolava o mundo. Foram 15 dias intensos de sofrimento. Uma purificação certa na alma; uma dor sem fim em cada centímetro do meu corpo e, por incrível que pareça, um humor raro, que me fazia superar a mim mesma nas pequenas dificuldades, até pra andar dois, três metros, do sofá até o banheiro meu humor me ajudava. Eu vi que realmente era possível vencer a dor com alegria, mas é uma decisão de cada um e foi uma decisão minha.
Ele, o Maninho, foi meu médico e viveu comigo cada hora daqueles infindáveis dias de combate ao COVID. Um irmão lutando por sua irmã.
No décimo quarto dia ele respirou aliviado, me deixando sair de casa e confessando um medo imenso de me perder... Eu chorei de gratidão, pois não fui só cuidada por um médico, eu fui ao vale da morte com a mão agarrada na vida. Era a mão de Deus, mas era a dele.
Depois dessa vitória sobre a morte, eu fui até à sua casa, no sul do país, porque além de meu médico da vida, ele é meu produtor musical e dos melhores, e sempre sabe onde o meu melhor lado artístico está escondido, e bem, sempre quando eu não tenho a menor ideia... Deus me estende a mão assim, através daqueles que me amam sem eu nunca entender o motivo.
Ali, naquele estúdio, eu cantei pela primeira vez. Não conseguia respirar bem ainda, meu canto estava frágil, os finais de frases estavam muito frágeis, os vibratos indefinidos e a voz ainda não tinha voltado ao seu vigor. Mas eu estava viva e decidida em cantar!
Eu queria retomar minha vida, e assumir um lugar que quase todo mundo esconde depois do sofrimento: a minha vulnerabilidade. Graças à Deus ele seguiu comigo. Gravamos, só nós dois, uma oração que inaugurou um novo tempo da minha vida.
Vimos as sequelas de frente e eu decidi assumi-las todas, pois em cada tremor da minha voz, era um pedido sincero a Deus, por todos os meus, aqueles que eu tinha perdido, e os tantos que naquele exato momento choravam também tantas ausências... Mas eu, eu ainda tinha vida para cantar e consolar! Foi uma experiência divina gravar esta canção. Essa é a força da vida: dar a Deus nossa fragilidade e aí sim ela é transformada em beleza, em arte!
Assim ficou essa canção: marcada com uma vulnerabilidade que eu jamais vou esquecer. Uma marca registrada e pronta a voar pelo mundo, para dizer que as pessoas interessantes são as que carregam as cicatrizes que a vida deu a elas e nunca as escondem, nem negam.
Em qualquer circunstância, ainda que seja a mais dolorosa, o homem é livre para decidir como se posicionar, diante do seu sofrimento. E aqui, eu vim dizer a você, que você pode viver uma dignidade diante do que mais lhe dói!
Uma Sagrada Beleza carrega quem não esconde as marcas que a vida lhe deixou, mas antes usa essas pedras recebidas pelo caminho para construir um caminho novo!