Esta é a cidade que explorei fugindo
Cada meio-fio de calçada me cumprimenta sorrindo
E toda ambição que me deixa nessa cova-rasa
Que me veja partindo, não é mesmo casa?
Desejo as sereias na areia se debruçando
Envolvidíssimas ao som do mar estilhaçando
E elas por mim se consumindo sem prudência
Quanta negligência, não é mesmo consciência?
Faço de minha viagem meu crime hediondo
Pondo as bagagens no porta-malas do corsinha respondo
Pelos meus atos, e cuspo qualquer tipo de cabresto
Já que não vira viver a esmo, não é mesmo?
Dentro do carro é só mormaço
Neblina estrada a baixo
A maresia me faz abstrair
Os amigos no encalço
Racha o gás e os pedágios
Sentido litoral vamo' aí
E o cheiro das ondas está tão próximo
Que se torna irrelevante o oficial inóspito
Sem mais cegar com a lanterna, cessou-se os jargões
Já não segura o coldre como se fossem os próprios colhões
E a rodovia se faz parte de mim
Capaz de detalhar meus devaneios até então sem fim
Me repousando sobre seus longos lençóis de asfalto
Soprando mi bemóis que soam como um sax contralto
E eu já alto me pego brisando
Nas estrelas do mar que talvez estejam me aguardando
Com muito amor, flor e música pra celebrar
Pois quando eu chegar na água jacaré é o que vai dar
Nessas férias espontâneas que tanto precisava
Chove torrencialmente no meio da estrada
Energizando minha escolha a cada trovoada
Levando embora minhas neuroses no cair das águas
Assim choveu até que a lua finalmente apareceu
Brilhando em mim uma memória que remanesceu
Trazendo à tona o que não sei se realmente aconteceu
Será que um dia ela verá que o problema sou eu?
Assino com marca de pneu cada cidade que passa
Mato um gole de cachaça no posto do abreu
Quando eu chego ao apogeu, minha alma me abraça
Agora tão longe de casa, um novo eu alvoreceu