Zumbi, um negro,
respirando rebeldia,
foge pra mata um dia
à procura do lugar.
Era um Quilombo,
a terra dos ex-escravos,
todos livres, sem os travos,
sem ter dono pra ferrar.
Vinham mestiços,
índios chegavam do eito,
todos lá tinham direito,
preto, branco sarará,
Uma nação
de iguais sem oprimidos,
de homens livres nascidos,
crescidos sem apanhar.
O sol,
o sol lá vem.
Eu namoro uma morena,
que eu sou moreno também.
Chegaram ali
brancos pobres, mamelucos,
com pau, pedra e trabuco
pra liberdade ganhar.
Todos queriam
ser mais um quilombola,
não viver pedindo esmola
a quem não queria dar.
Uma cruzada
contra os povos livres, bravos,
para mantê-los escravos,
correram então a formar.
e a batalha
derradeira aconteceu,
jamais dela se esqueceu
quem nasceu nesse lugar.
O sol,
o sol lá vem.
Eu namoro uma morena,
que eu sou moreno também.
Vi preto livre
lá na Serra da Barriga
enfrentar bala e urtiga
para não se escravizar.
Como uma praga,
saída dos evangelhos,
vi Domingos Jorge Velho
palmares incendiar.
Eu vi foi tiro,
eu vi corte de peixeira,
pernada de capoeira,
vi corpo no chão rolar.
Eu vi Zumbi
ser preso, ser torturado,
violado e humilhado
por querer se libertar.
O sol,
o sol lá vem.
Eu namoro uma morena,
que eu sou moreno também.
Eu vi seu corpo
ser a faca esquartejado,
como um bicho ser sangrado,
eu vi o seu degolar.
Vi a cabeça
enfiada numa vara,
eu vi toda sua cara
no sol quente descarnar.
Primeiro sonho
brasileiro, de igualdade,
fraterno, de liberdade,
ali veio se acabar.
Mas foi semente
e deixou ensinamento
que ainda está em tempo
de viver pra se sonhar.
O sol,
o sol lá vem.
Eu namoro uma morena,
que eu sou moreno também.