Fado triste, fado negro das vielas
Estás farto de ser cantado, gemidinho e chorado
Aqui há tempos deram-te mais uma volta
Ouviu-se a voz do artista Villaret
Falar-te em tom lencastrice silabado
Pois vou provar-te que inté és bonito mal falado
Mão de guitarra, calicídas, retorcidas, contorcidas
Ai, mãos bizarras, mãos chaladas, bem caçadas, lacrimejadas
Mãos furibundas, mãos devassas, muito fundas, muito lassas
Aonde enfim, o fado entoa; ó pistarim dá cá uma coroa
Eu vou contar uma história; a do Chico e a da Glória
Viviam numa trapeira
Ele tocava guitarra e ela era cantadeira
Das que não tinham virtude
Porque nem cantava o fado da Senhora da Saúde
Com a massa que ganhavam, eram felizes, sem brigas
Porque a casa que habitavam era de renas intigas
Como tinham poucos móveis, era muito arrumados
Cochichava em segredinhos o mulherio de Alfama
Que este par de namorados
Até juntava os trapinhos debaixo da mesma cama
P’la janela da Glória intrava a Lua
E o fado, esse, saía a dar voltas pela rua
Mão de guitarra, calicídas, retorcidas, contorcidas
Ai, mãos abelhudas, cabeludas, façanhudas e tronchudas
Mãos de fado, mãos disto e mãos daquilo e daqueloutro
Ai meus irmãos, que confusão
Eu já meto os pés pelas mãos
Um dia o Chico não veio, Santo Deus
Aquilo fez um transtorno à Glória por não vê-lo
Coitadinha, teve a dor mesmo aqui no cotovelo
Procurei-a como doida
E quando lhe perguntei que tinha ao pé da tasca
Cheiinha de asca só respondeu
Eh pá eu cá tou à rasca!
Mas nisto, ao fundo da rua dá de ventas com o Chico
Todo feito pau dum rico, dando o braço a uma pirua
Mas que ciúme, que drama, o resto já não tem história
A Glória foi-se à madama, e o Chico foi-se à Glória
E o ciúme chegou como lume queimou o seu peito a sangrar
Foi um valente sarilho
Com o Chico a malhar que era u nunca acabar
Foi a madama a ir de vaca e a Glória a puxar pelos cabelos sem dó
Foi um sarilho de truz, uma coisa liró
Mas nisto, a Glória num grito, teve um fanico que a pôde perder
Puxa a navalha canalha, não há quem te valha, tu tens de morrer
Caramba, que cheiro a mortos, os plicias tortos vêm abusos e chão
Desarmam a chaladona e deitam-lhe a mão
Mãos carinhosas, generosas, que não conhecem o rancor
São mãos que agarram, mãos que multam, mas que procedem sem dor
Mãos que não sentem, quando apertam, que estão mesmo a aleijar
Mãos que deixam nódoas negras, mãos mimosas para afagar
O que salvou este amor foi a naifa que emperrou na figa da corrente
Amor que já deu e levou e não matou, tem futuro na frente
Foi lá para as duas e picona esquadra, ela fez as pazes com o Chico
Foi isto, vai para um mês, e no lar já há três
Porque nasceu um pimpolho, um lindo zarolho, mais lindo que o trigo
Basta o Chico olhar para ele, para ver que ele é muito parecido consigo
E com o perdão depois, felizes os dois, lá vão lado a lado
Ora aqui está o fado chunga e mal falado