Boiadeiro Doutor
Deixei pendurado no esteio do rancho
Bem alto num gancho do velho galpão
O meu par de espora o laço e o rei
Cabeçada e freio do meu alazão
Deixei o meu pala e minha goiaca
O lenço a faca e o cinturão
A tralha da lida que vale um tesouro
O velho facão com bainha de couro
Chapéu cor de ouro de estimação
Em um cavalete deixei o arreio
Pelego baldrana e o colchinil
O meu par de botas o gibão de couro
Berrante de ouro e o peitoril
Soltei meu cavalo lá prás invernadas
Na quelas quebradas o macho sumiu
Troquei por gravata meu lenço vermelho
Da minha mãezinha ouvi os conselhos
E entrei prá classe estudantil
Deixei para sempre a vida da estrada
A velha morada onde eu me criei
Deixei os amigos e companheirada
Berrante boiada nunca mais toquei
Segui de viagem prá grande cidade
E na faculdade entrei com amor
Agarrei o estudo com unhas e dentes
Prá ver os meus pais alegres contentes
Até conseguir meu anel de doutor
Tirei o diploma da universidade
Com dificuldade tornei-me um doutor
Mas nunca me esqueço que fui boiadeiro
Filho de um roceiro do interior
Já faz muitos anos que deixei a lida
A terra querida e a vida de peão
Não vi mais poeira levantar na estrada
Nem som de um berrante naquelas quebradas
Só vejo boiada na televisão
Eu tenho um acervo em meu escritório
Prá guardar a tralha de recordação
Fica bem em frente ao meu consultório
Para os meus clientes prestar atenção
Se alguém me pergunta qual é motivo
Que tenho no arquivo um grande celeiro
Repondo contente dizendo a verdade
Eu sinto no peito uma grande saudade
Do tempo de moço que fui boiadeiro