Um fadista já cansado
Quando o passado lembrou
Abraçou uma guitarra
Não pôde cantar, chorou
Entrou, sentou-se e bebeu
Um copo de vinho tinto
Enquanto que no recinto
Uma guitarra gemeu
Muitas cantigas sei eu
Tudo se ouviu menos fado
E o cantador desolado
Começou por me dizer
Só tenho pena de ser
Um fadista já cansado!
Criei nome, dei nas vistas
Conquistei fama, ovações
Mas não a cantar canções
De envergonhar os fadistas
Cantei fado nas conquistas
Da boémia que passou
Sei quem fui, sei que não sou
Um cantador presumido
Disse-me ele entristecido
Quando o passado lembrou!
E prosseguiu - quando entrei
Entrei com mil ansiedades
Mas se vim matar saudades
Com mais saudades fiquei
Envelheci, mas é lei
Da fadistagem bizarra
Ter fé, ter alma, ter garra
P'ra cantar até à morte
E falando desta sorte
Abraçou uma guitarra!
E cingiu com mão amiga
Ao lado esquerdo do peito
Naquele instrumento eleito
Da fadistagem antiga
Lembrou-se duma cantiga
Que outrora o celebrizou
Mas a emoção embargou
Toda a sua voz amena
E o pobre cheio de pena
Não pôde cantar, chorou!