Vou pelas ruas da noite
Com basalto de tristeza
Sem passeio que me acoite
Rosa negra à portuguesa
É por dentro do meu peito triste
Que o silêncio se insinua agreste
Noite, noite que despiste
A ternura que me deste
Um cão abandonado
Uma mulher sozinha
Num caixote entornado
A mágoa que é só minha
Levo aos ombros as esquinas
Trago varandas no peito
E as pedras pequeninas
São a cama onde me deito
És azul claro de dia
E azul escuro de noite
Lisboa sem alegria
Cada rua é um açoite
A queixa de uma gata
O grito de uma porta
No tejo uma fragata
Que me parece morta
Morro aos bocados por ti
Cidade do meu tormento
Nasci e cresci aqui
Sou amigo do teu vento
Por isso digo Lisboa amiga
Cada rua é uma veia tensa
Por onde corre a cantiga
Da minha voz que é imensa