À solta e desvairada, a morte certo dia
Entrou no velho pátio e ali quase em segredo
Num golpe traiçoeiro de raiva e cobardia
Maldosa nos levou p'ra sempre o Tio Alfredo
Ao chorar das guitarras, como se fosse um hino
Juntou-se a voz do povo, de Portugal inteiro
Tinha morrido o rei, fadista genuíno
O mais de todos nós, o grande Marceneiro
Sua garganta rouca, tinha o condão o bem
De nos dar fado a sério, sem ais, sem fantasia
Se o fado p'ra ser fado, algum segredo tem
Então esse segredo só ele o conhecia
Sempre que a noite chega, eu julgo ainda vê-lo
Fazendo a sua ronda p'los retiros do fado
De boné, ou mostrando o seu farto cabelo
E o seu lenço varino ao pescoço ajustado
Recordo as suas birras, e em grande cavaqueira
Seus gritos graciosos, se bem disposto estava
Oiço até o seu riso no Cacau da Ribeira
Onde, já madrugada, sua ronda findava
De Alfredo Marceneiro eu guardo um disco antigo
E um retrato dos dois sobre um fundo bairrista
Um fado ao desafio que ele cantou comigo
E uma eterna saudade desse enorme fadista