Tenho um quadrado de cimento em que me deito,
Não há lugar para um futuro tão estreito,
Sigo o asfalto, lá do alto do meu prédio
Tenho pr’a mim que a tentação não tem remédio.
E se me mato, se me trato em directo,
Abro o jornal, qualquer canal, sou predilecto,
E na TV, no DVD, fazem-me estrela,
Ontem ninguém, hoje, quem sabe, uma novela.
Tanto barulho, tanto engulho no deserto,
Está aqui escrito que este plano bate certo,
Mato o juíz, mato a perdiz, mato o sobreiro
Com um só tiro, mas um tiro bem certeiro.
Diz quanto custa à minha custa o teu perdão,
Um carro novo com motor de foguetão,
Uma vivenda, uma merenda a vida inteira
Fazer Domingo de Segunda a Sexta-feira.
Eu não sei onde é a saída,
Se é no beco ou na avenida.
Ai, País, País é um problema, vive
Entre o dealer e o dilema,
Entre a sesta e o sistema.
Entre o dealer e o dilema
Entre a sesta e o sistema.
Tenho um petardo lá na cave do anexo,
Vem nos jornais que sou um gajo complexo,
No futebol talvez o leve pr’a tribuna,
Não há lugar onde o país mais se desuna.
Sou visionário ao contrário do que se pensa,
Ter tantos cargos faz a vida tão intensa,
Entre a medalha, e a canalha nunca vai,
Se é de madeira esta cadeira um dia cai.
Tenho a certeza que à mesa sou honesto,
Um envelope no decote compra o resto,
Um escadote pra subir até ao fundo,
Lugar cativo lá no céu do outro mundo.
Quero uma estátua de prata à minha porta,
Que a redenção é coisa que não me importa,
Quero um cavalo, quero um trono onde me sente
Se não for rei, porque não ser presidente?
Eu não sei onde é a saída,
Se é no beco ou na avenida.
Ai, País, País é um problema, vive
Entre o Dealer e o dilema,
Entre a sesta e o sistema.
Entre Dealer e o dilema
Entre a sesta e o sistema.