Era ou num era memória?
Era alucinação
Ser alguém de outra história
Era só ilusão
Desvendar o olhar
Ver além da visão
Desvairar o pensar
Dispensar a razão
Desprender-me na estrada
Ser a estrada sem fim
Sendo assim, sem chegada
Ir-me embora de mim
Despedir-me dos meus
Quase desexistir
Desarmar-me de deus
Ser mais eu e partir
Vida: me diga que enigma me deu
Fui autodidata, pirata, plebeu
Fui negro, magnata, filósofo, ateu
Um astronauta solto no ar
Vida: me diga se o estigma valeu
Se a noite era dia e o dia era breu
Na dor mais doída que a gente sofreu
Nos sonhos de quem vive a sonhar?
Onde, quem, quando, agora?
Beira de tempo algum
Ser de dentro pra fora
Ninguém é só mais um
Deslembrar de onde vim
Ser assim outro alguém
Pelo avesso de mim
Ser eu mesmo também
Vida: me diga que enigma me deu
Fui monge, sem-teto, arquiteto, pigmeu
Fui rei, psicopata, internauta, judeu
Um homem-bomba na multidão
Vida: me diga se o estigma valeu
Se a noite era dia e o dia era breu
Se mais nada havia, nem sonho e nem eu
A vida era poesia ou não?
Era ou num era memória?
Era história ou ficção?
Um cavalo de tróia
Dentro do coração