Eu quero voltar pra casa, meu pai, quero voltar
Depois de tanto girá esqueci ou desconheço
O meu primeiro endereço, a luz do primeiro lar
Entrei nessa multidão que atravanca esse planeta
Sem cartão, sem tabuleta, sem identificação
Agora quero voltar
Os caminhos são escuros, só enganos
E eu com oitenta anos não aprendi a falar
É costume ter-se piedade de uma criança perdida
Tonta, estranha na cidade
Tem gente com dó de mim, é próprio do ser humano
Querem me levar pra casa, querem sim
Pros meus pais ou pros meus manos
Mas eu com oitenta anos não sei dizer de onde vim
Estou sozinho como quando aqui cheguei
A gente nasce chorando, acho até que nem mudei
Chega a ser feio, enrugado, sem cabelo na cabeça
Pequenininho, desdentado
Pois hoje esses mesmos dados me servem como serviram
Os meus cabelos caíram, meus dentes se acabaram
E as rugas
Se elas sumiram o certo é que elas voltara
E quanto a chegar chorando
Eu posso dizer também que choro de quando em quando
E choro como ninguém
Mamãe, grita Zezinho
Grita, Valhone, meu pai
A mãe chama, o filho vai
O pai chamou, é o caminho
Mas eu apuro os ouvidos e um triste silêncio cai
Tô perdido, perdido, não tenho nem mãe, nem pai
Vivo, é, acho que vivo, acho que estou vivo
Mas sem um objetivo de quem vem ou de quem vai
Nada me dá um motivo, nada me prende ou me atrai
Nada me empurra ou me abrasa pra poder continuar
Eu quero voltar pra casa
Eu tenho pouco amor, a fé é muito rasa
Papai e mamãe sem me chamar
Eu quero voltar pra casa, mas esqueci o lugar