Quando eu era boiadeiro, tempo que não volta mais
Me aconteceu um fato que não esqueço jamais
Fui levar uma boiada lá por sertão de Goiás
Com mais sete companheiros, eu que era o capataz
Ao chegar em Catalão, além de Minas Gerais
Entreguei essa boiada, deixei presa nos currais
Dormi muito mal à noite com saudade de meus pais
Logo no cantar do galo
Arreei o meu cavalo e parti sozinho pra trás
Viajei por nove horas no avanço da colina
Quando foi chegando a tarde veio uma chuva fina
Não se via viva alma, só as aves de rapina
A chuva foi aumentando com as dunas de neblina
Meu cavalo já cansado esforçava morro a cima
Pedi a Nossa Senhora uma proteção divina
Essa hora eu avistei lá em baixo da colina
Uma casa abandonada
Resolvi fazer pousada nesse ermo chão de Minas
Pendurei a minha tralha e soltei meu alazão
Com gravetos da parede acendi o velho fogão
Enxuguei a minha roupa, fiz minha cama no chão
A casinha balançava no estrondo do trovão
Uma coisa muito estranha foi me dando aflição
Tive um pressentimento de alguma assombração
Com o corpo arrepiado fiz a minha oração
Me deitei todo encolhido
Comecei ouvir gemidos lá embaixo do porão
Aquele gemido feio perto de mim foi chegando
Eu pensei que fosse alguém que ali ia passando
Com a chuva que caia a casa foi gotereando
A voz triste era de um homem que estava agonizando
A casa é mesmo assombrada eu assim fiquei pensando
Me benzi por muitas vezes e continuei rezando
Um relâmpago mais forte entrou na sala clareando
Olhei pro quarto do lado
Vi um homem enforcado na parede balançando
Eu saquei meu trinta e oito de miras especiais
E gritei daqui vai fogo se defenda satanás–
Se errei ou se acertei, tanto fez ou tanto faz
Sei dizer que o tal gemido já não se ouvia mais
O dia já vinha perto o dia já dava sinais
Prossegui minha viagem na querência dos pinhais
Deixei de ser boiadeiro, mudei os meus ideais
Despachei a peonada
Nunca mais levei boiada lá pras bandas de Goiás