Quem me vê fazendo frete
Nesse arrabalde sem fim,
Picaneando um mouro magro
Pisado dos balancins,
Não diz que eu fui fazendeiro,
Que eu tive sebo no rim,
E esta história que hoje conto,
Que é minha e de tantos outros,
É mais ou menos assim.
Tive um rebanho merino
Que o velo era um camoatim,
Usava carneiro fino
Num campo que era um jardim.
A lã pegou a valer pouco,
O povo só usa brim,
Começou a escassear mi’a renda,
Fui despovoando a fazenda,
Daí o início do fim.
Meu gado que eu cuidei tanto
Deu lucro,mas não pra mim.
Vendi mas não me pagaram,
Processei uns graxaim.
O que eu não tinha vendido
O advogado deu fim,
Ficou vazia a fazenda,
Tem dor que não se remenda
E é dessas que dói em mim.
Meu mouro marca de fisga
Deus não fabrica outro assim,
Cogote de ganso macho,
Zoreia de graxaim.
Pra não vender pro salame,
Veio também,quando eu vim,
Foi pra charrete o meu mouro,
Que antes pechava touro
Por cima dos alecrim.
E a mão pra vir pra miséria
O governo deu pra mim,
Prometeu financiamento
Com um jurinho chinfrim.
Virei meus campos de arado,
Plantei milho e amendoim,
A seca ajudou o banco,
O banco ficou com o campo
E a vila ficou pra mim.
Só conto pra que conclua
Que quem produz ta na pua,
E há muito tempo é assim.
- Letra enviada por João Antunes -