(João Morgado)
Não sabes, meu afecto? É a cabeça vazia...
amarrei meus desejos, doce utopia.
Mas aonde? No sonho, nas nuvens, na alma. Não sei!
Não zombes comigo só porque me enamorei,
no brilho duns olhos, nuns lábios carmim,
nuns negros cabelos, que vibravam p'ra mim.
Meu espírito voa pelos sons da essência,
nesta abóbada divina, da volúpia existência.
Num impulso submisso estendo-te os braços,
inocenta meu gesto, ou confina meus passos.
Desata este nó, liberta esta algema...
quebra este elo, de razão suprema.
Sossega este espírito inquieto e reverente,
cheio de teses, cada uma, mais veemente.
Só vejo essas asas nas costas. Quimera!
Debalde meu sentir se azeda e exaspera...
os anjos confiam nas penas luzentes...
e eu sofro, angústias de magias plangentes.
Mas clamo! Fechando-se a noite, abrindo o silêncio,
na cama onde a luz despeitada cintila de incenso,
dispo meus adornos,
sufoco meus transtornos.
Por que é que vacilas? Não eram teus desejos?
Não anules meus ais, em subversões abismais.