Caiam fora
Tenho dentro de mim, tão intenso
Um sorrir que se perdeu
Amarga, e fica em suspenso
A estudar o desolado breu
O que teria em mim morrido
Neste crer que sonha assim?
Se nem eu lhe sei o sentido
Que já não é meu, embora em mim
Julgava-o ideal belo e sagrado
Uma fantasia morosa, brilhante
Onde tudo em roda parecia amado
Canto que vai-se sumindo de distante
E depois nesta visão em segredo
Surge tudo mais uma e outra vez
Acordando-me deste sossego
Num impulso d’alma da escassez
Qual brinquedo perdido de menino
Que eu consumi de razão e sentido
Abandonado-o no chão do destino
Tornando-o adorno fragil e partido
Foi este plangente abafar ao morrer
Que nasceu das cinzas diferente
Afastou-se do meu querer
E do bem-querer de tanta gente
Agora que chameja a luz
Neste destido espavorido
Vou tirar o meu capuz
E deixa-lo no cabide esquecido
Se em mim se apagar de novo
Esta luz que brilha agora
Ficarei triste e me comovo
Mas então...cuidado, caiam fora!
João Morgado