Exigir de mim um poema
Que sem dizer nada exprima tudo de ti
Um poema cuja brincadeira seja o tema
Só mesmo imposto por ti, tia? Lili?
Talvez em rimas soltas possa ser capaz
A algo que não seja meu, mas de mim
Contando o que me vai nesta alma de rapaz
Que tal um poema, sem começo nem fim?
Umas quadras que liguem algo de ti em mim.
Não pode ser antes um soneto? Mas p?ra quê?
Ainda achas que precisamos tanto assim?
Eu não creio, e depois quem lê?
Queres um poema que fale das vidas, minha e tua
Daqueles sonhos que tínhamos ao brincar?
Um poema doce como o sol na pele nua.
Ou preferes um poema salgado como o mar?
Das lágrimas dos nossos olhos de idealistas
Quando não éramos nós, mas crianças
Tu ainda és tão miúda, não resistas
E hoje que temos? Nada? esperanças?
Á? os filhos? Pois é, omitia-os sem razão
Mas enfim, para quê tristeza vã?
Estes são dias de melancolias e introspecção
Mas nada de desmoralizar minha irmã
Houve desperdício no versejar doutros traços
Poemas que não são nem teus nem meus.
São vidas que não contemplaram os nossos espaços.
Às vezes fico pensando no porquê destes breus
Seja então um poema extenso e triste.
Alegre? Preferes alegre? Pois seja?
Dá-lhe tu a entoação que a minha não resiste
Não é snobismo, não. É o sentimento que me beija
Mas deixemos de toadas de desengano
Que a vida não se compadece
Dá aí um beijo a este teu mano
Um beijo só, que mais me entristece
Queres tu um meu que o vento leve
Ou preferes um sorriso de felicidade
Toma, toma este versejar tão breve
Sem tempo, brio ou idade
Lembras aquela boneca de pano
Que a tia Joaquina fez com afecto
Esse sim, era sem engano
Um brinquedo predilecto
Recordas daquelas pombas que o pai
Fazia em madeira pintada
Como eu recordo, nem a memória me trai
Pudera, aquelas asas eram de pomba libertada
E dos carrinhos de bois que eu fazia
Em madeira de etiquetas e mãos de petiz
Carregavam tudo, paus, erva ou fantasia
E ainda carregam esta cruz, que eu fiz
Lembras-te do jogar às escondidas?
E daquelas tábuas ao alto na parede
Ainda hoje tenho a marca do que foi ferida
Maldita tábua que se solta e o mal não mede
Sabes do que eu recordo mais?
Das camarinhas e da praia
Daqueles aflitos apertos e ais
Da tentativa de que saísse o que não saía
E daquelas missas campais
Que nós fazíamos em grupo de amigos
Ou dos jantarinhos triviais
Feitos de campânulas e trigos
Ai como eu me recorda bem
Daquele arroz-dos-telhados!
Lembro ainda a nossa mãe
Na cama e nós com ela deitados
Ai como eu recordo das disputas de tear
Em que nós dávamos os juncos contados
Para as nossas irmãs tecerem e nos deixar
Competir também, no que já são passados
Foram tempos de infância e felizes
Que não andam mais para traz
Esses tempos são raízes
Do que hoje somos, e do que assim nos faz
Ainda queres mais poesia?
Ou preferes brincar como outrora
Eu brinco com as palavras, mas queria
Brincar noite e dia, até que fugisse a hora
Como sei que não volto atrás, brinco a gozar contigo
Do menino que fui ainda persisto
Na fé, na memória e no ?castigo?
De me saber teu irmão amigo e não desisto
Não disse nada? Nem preciso, sabes bem
Poemisar o quê, sobre nós ou de ti
Se as nossas vidas são um nó mais além
Nos cruzámos, sabes bem, quando eu nasci
Culpa da mãe? E do pai podes crer
Quando consumaram em amor o acto
Mas que estou eu pr?aqui a dizer
Esquece, é o teu irmão que é um chato
Já vai grande esta poesia e morna
É o compensar pelo facto de não seres alta
Mas só a menina de outrora não torna
Tens em beleza d?álma o que em tamanho te falta
Já percebi que uma poesia só tua
Não pode acabar nunca em mim
Pois da tua vivencia nua e crua
Até eu passo sem passar e sem fim
Mas. Deixa que eu ainda um dia farei
Um poema só p?ra nós, acredito
Que fale daquilo que nem eu sei
Mas sei que por agora tenho dito!
João Morgado